quarta-feira, 1 de abril de 2020

O isolamento do leproso


Escrevi no post anterior, que durante o período em que estive sob suspeita de Coronavírus no hospital pude ter uma noção do que sentia um leproso nos tempos do Antigo Testamento. Foi um exagero da minha parte, para ilustrar a ideia do perigo de contágio iminente da doença que eu podia estar carregando em mim e o isolamento forçado. É interessante notar que, segundo a Bíblia, o isolamento era requerido do leproso, já devida e cuidadosamente avaliado pelo sacerdote como tal, para que não contaminasse o resto da congregação de Israel. Não era a congregação quem tinha que se isolar. 


Hoje lembrei de um livro muito precioso que li, contendo reflexões do livro de Levítico sobre o leproso. Achei que valia a pena compartilhar:

A Lei do Leproso

Duas coisas requeriam a solicitude e vigilância do sacerdote, a saber: a pureza da congregação e a graça que não podia admitir a exclusão de qualquer membro, salvo por motivos claramente determinados. A santidade não podia permitir que continuasse dentro da assembleia qualquer pessoa que devesse ser excluída; e, por outra parte, a graça não podia permitir que estivesse fora quem devia estar dentro dela. Por isso, o sacerdote tinha a mais instante necessidade de ser vigilante, calmo, sensato, paciente, terno e muito experiente. Certos sintomas podiam parecer de pouca importância, quando, na realidade, eram muito graves; outros podiam parecer Lepra, sem o ser. Era preciso a maior atenção e sangue-frio. Um juízo precipitado ou uma conclusão demasiado apressada podiam conduzir a sérias consequências, quer para a congregação quer para qualquer dos seus membros.

Isto explica a repetição frequente de frases como estas: "O sacerdote examinará" — "O sacerdote encerrará o que tem a praga por sete dias" — "O sacerdote ao sétimo dia o examinará" — "O sacerdote o encerrará segunda vez por sete dias" — "O sacerdote «ao sétimo dia, o examinará outra vez" — "E o sacerdote o examinará" — "Então o sacerdote o declarará por limpo". Nenhum caso devia ser julgado ou decidido precipitadamente. Não se devia formar uma opinião por ouvir dizer. O exame pessoal, discernimento sacerdotal, tranquila reflexão, estrita adesão à Palavra escrita — o guia santo e infalível —, todas estas coisas eram formalmente requeridas do sacerdote, se queria fazer um juízo reto de cada caso. Em todas as coisas ele não devia deixar-se guiar pelos seus próprios pensamentos, sentimentos ou sabedoria. A Palavra de Deus continha instruções minuciosas, estabelecidas para se submeter a elas. Cada pormenor, cada característica, cada movimento, cada variação, cada sombra e caráter, cada sintoma particular e cada afeição — tudo estava ampla e divinamente previsto; de sorte que bastava que o sacerdote conhecesse bem a Palavra de Deus e se conformasse com ela em todas as coisas para evitar erros. Já dissemos o bastante quanto ao sacerdote e suas santas responsabilidades.

A Lepra

Consideremos agora a praga da Lepra e o seu desenvolvimento numa pessoa, no vestuário ou na habitação. Considerando esta doença sob o ponto de vista físico, nada pode ser mais asqueroso; e, sendo inteiramente incurável, oferece-nos um quadro vivo e aterrador do pecado — o pecado na natureza humana —, o pecado nas nossas circunstâncias, o pecado na assembleia. Que lição para a alma no fato que uma enfermidade tão horrorosa e humilhante seja empregada como figura do mal moral, quer seja num membro da assembleia de Deus, quer nas circunstâncias de qualquer membro ou na própria assembleia.

A Lepra num Homem 


Primeiramente, quanto à Lepra num indivíduo; ou, por outras palavras, quanto à ação do mal moral ou do que poderia parecer mal em qualquer membro da assembleia. Isto é um assunto grave e de séria importância — um assunto que requer a máxima vigilância e solicitude por parte dos que desejam o bem das almas e a glória de Deus, relacionada com o bem-estar e a pureza da Assembleia como corpo e de cada membro em particular.

Convém observar que, embora os princípios gerais da Lepra e a sua purificação se apliquem, em sentido secundário, a todo o pecador; todavia, nas passagens da Escritura, que estamos analisando, o assunto é apresentado em relação com aqueles que eram reconhecidos como povo de Deus. A pessoa que aqui vemos sujeitar-se ao exame do sacerdote é um membro da assembleia de Deus. É conveniente compreender isto. A assembleia de Deus deve manter-se pura porque é Sua habitação. Nenhum leproso podia ser autorizado a permanecer no recinto sagrado de habitação do Senhor.

A Responsabilidade do Sacerdote

Mas observe-se o cuidado, a vigilância, a perfeita paciência recomendada ao sacerdote para evitar que se considerasse como Lepra o que não o era ou que aquilo que na realidade era Lepra pudesse escapar à sua atenção. Muitas afecções podiam aparecer "na pele" — o lugar para manifestações da Lepra — "semelhantes à praga da Lepra", as quais, depois de uma paciente investigação do sacerdote, se verificava serem apenas superficiais. Isto requeria muita atenção. Qualquer mancha podia aparecer na superfície da pele, a qual, ainda que requeresse ser examinada por aquele que atuava por Deus, não era, na realidade, mancha. E, contudo, o que parecia ser apenas uma mancha superficial podia ser alguma coisa mais profunda do que a pele, alguma coisa interna, que afetasse os elementos ocultos do organismo. Tudo isto requeria a maior atenção por parte do sacerdote (veja-se os versículos 2-11). Uma simples negligência, um ligeiro descuido, podiam ter graves consequências. Podiam ocasionar a contaminação da assembleia devido à presença da pessoa declarada leprosa ou a expulsão, por qualquer mancha apenas superficial, de um verdadeiro membro do Israel de Deus.

Ora, em tudo isto há um fundamento precioso de instrução para o povo de Deus. Existe uma diferença entre a enfermidade pessoal e a energia positiva do mal — entre meros defeitos e imperfeições da consulta e a atividade do pecado nos membros. Sem dúvida, importa velar sobre as nossas fraquezas; pois se não vigiarmos, se não as julgarmos e não nos guardarmos delas podem tornar-se na fonte de um mal positivo (veja-se versículos 14 a 28). Tudo que procede da nossa natureza deve ser julgado e mortificado. Não devemos ser indulgentes para com as fraquezas pessoais em nós próprios, ainda que devamos ser indulgentes para com as dos nossos semelhantes. Tomemos por exemplo o caso de um temperamento irascível. É um caso que devemos condenar em nós próprios, embora devamos tolerá-lo nos nossos semelhantes. A semelhança da "inchação do apostema", no caso de um israelita (versículos 19-20), pode chegar a ser causa de verdadeiro contágio — motivo para exclusão da assembleia. Toda a forma de fraqueza deve ser vigiada, não seja o caso de se tornar ocasião de pecado.

Uma "cabeça calva" não era Lepra, mas era onde a Lepra podia declarar-se, e, por isso, tinha de ser vigiada. Há mil e uma coisas que, em si mesmas, não são pecaminosas, mas que podem chegar a ser ocasião de pecado se não se exercer sobre elas vigilância. E não se trata somente do que, no nosso parecer, pode ser designado por defeitos ou fraquezas pessoais, mas até de coisas em que os nossos corações estão dispostos a gloriar-se. A agudez do gênio, o bom humor e a vivacidade de espírito, podem chegar a ser fonte e centro de contaminação. Cada pessoa tem uma ou outra tendência de que deve guardar-se — alguma coisa que o obriga a estar sempre em guarda. Quão ditosos somos nós, pois temos um Pai carinhoso a quem podemos expor todas estas coisas! Confiados no amor indulgente e infatigável, temos o precioso privilégio de poder entrar sempre na Sua presença para Lhe contar tudo que pesa sobre o coração e obter graça para sermos ajudados em todas as nossas necessidades e obter vitória sobre todo o mal. Não há motivos para desanimar enquanto vemos sobre a porta da tesouraria de nosso Pai esta inscrição: "Ele dá maior graça". Preciosa inscrição! O seu valor não tem limites: é incalculável, é infinito

A Praga da Lepra 


Vejamos agora como se procedia em cada caso em que a praga da Lepra era indiscutível e claramente determinada. O Deus de Israel podia tolerar as enfermidades e os defeitos, mas a partir do momento em que a enfermidade se tornava um caso de corrupção, ou fosse na cabeça, na barba, na testa ou em qualquer outra parte do corpo, não podia ser tolerada na santa congregação. "Também as vestes do leproso, em quem está a praga, serão rasgados, e a sua cabeça será descoberta, e cobrirá o beiço superior e clamará: Imundo, imundo! Todos os dias em que a praga estiver nele, será imundo; imundo está, habitará só; a sua habitação será fora do arraial" (versículos 45 - 46). Descreve-se aqui a condição, ocupação e o lugar do leproso. Os vestidos rasgados, a cabeça descoberta, o lábio superior coberto e gritando: Imundo, imundo! E tendo de morar fora do arraial na solidão do deserto vasto e terrível! Que podia haver de mais humilhante e deprimente do que isto? "Habitará só" Era impróprio estar em comunhão ou ter a companhia do seu povo. Era excluído do único lugar, em todo o mundo, onde se conhecia e gozava a presença do Senhor.

Prezado leitor, contemple neste pobre e solitário leproso o tipo expressivo da pessoa em quem o pecado opera. É este realmente o seu significado. Não é, como veremos imediatamente, um pecador perdido, arruinado, culpado e convicto, cuja culpa e miséria são manifestos, e, portanto, objetivo próprio para o amor de Deus e o sangue de Cristo. Não; no leproso excluído vemos uma pessoa em que o pecado está atuando — uma pessoa em quem está a energia do mal. É isto que mancha, exclui e priva do gozo da presença divina e da comunhão dos santos. Enquanto o pecado operar não pode haver comunhão com Deus ou com o Seu povo. "Habitará só; a sua habitação será fora do arraial". Até quando? "Todos os dias em que a praga estiver nele". Há aqui uma grande verdade prática. A atividade do mal é o golpe de morte da comunhão. Pode haver aparências exteriores, puro formalismo, fria profissão, mas não pode haver nenhuma comunhão enquanto o mal continuar a atuar. Não importa qual seja o caráter do mal ou a sua importância, ainda que seja insignificante ou apenas um mau pensamento, enquanto continuar a atuar impedirá ou causará a suspensão da comunhão. E quando se forma a empola, quando surge à superfície, quando se descobre inteiramente, que pode combater-se e tirá-lo pela graça de Deus e pelo sangue do Cordeiro.

Completamente Coberto de Lepra

Isto leva-nos a um ponto muito interessante em relação com o leproso — um ponto que parecerá um paradoxo para todos os que não compreendem a maneira como Deus opera para com os pecadores. "E, se a Lepra florescer de todo na pele e a Lepra cobrir toda a pele do que tem a praga, desde a sua cabeça até aos seus pés, quanto podem ver os olhos do sacerdote, então, o sacerdote examinará, e eis que, se a Lepra tem coberto toda a sua carne, então, declarará limpo o que tem a mancha: todo se tornou branco; limpo está" (capítulo 13:12 - 13). Desde o momento em que o pecador ocupa o seu verdadeiro lugar perante Deus, todo o problema do seu pecado é resolvido. Desde que manifeste o seu verdadeiro caráter, desaparecem todas as dificuldades.

Talvez tenha de passar por experiências difíceis antes de chegar a este ponto — experiências resultantes de se recusar a ocupar o seu verdadeiro lugar, ou seja, confessar "toda a verdade" sobre a sua pessoa. Porém desde o momento em que ele se decide a dizer, de todo o seu coração, "tal como sou" a graça de Deus se derrama sobre ele. "Enquanto eu me calei, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia. Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio"(Sl 32:3-4). Quanto tempo durou esta penosa experiência? Até que toda a verdade se descobriu. "Confessei-te o meu pecado e a minha maldade não encobri; dizia eu: Confessarei ao SENHOR as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado" (versículo 5).

É interessantíssimo reparar na maneira como Deus trata progressivamente com o leproso, desde o momento em que os primeiros sintomas fazem surgir a suspeita de enfermidade até que esta se estende a todo o corpo, "desde o alto da cabeça à planta do pé". Não havia pressa nem indiferença. Deus entra sempre no lugar do julgamento com passo lento e bem calculado; mas depois de haver entrado tem de agir segundo os direitos da Sua natureza. Pode examinar com paciência; pode esperar "sete dias"; e se há a mínima mudança nos sintomas pode esperar outros "sete dias"; mas desde o momento em que se verifica positivamente a ação da Lepra, não pode haver mais tolerância. "Fora do arraial será a sua habitação". Até quando? Até que a enfermidade se haja manifestado inteiramente à superfície. "Se a Lepra tem coberto toda a sua carne, então será declarado limpo". É um ponto precioso e muito interessante. A menor mancha de Lepra era intolerável aos olhos de Deus; e, contudo, quando o homem estava completamente atacado por ela, desde a cabeça aos pés, então, era declarado limpo — quer dizer, era assunto apropriado para a graça de Deus e o sangue da expiação.

Da Perdição à Glória

Aqui termina o relato das disposições do Senhor sobre o leproso; e oh, que maravilhoso relato! Que exposição da hediondez do pecado, da graça e santidade de Deus, da preciosidade da Pessoa de Cristo e a eficácia da Sua obra! Nada pode ser mais interessante do que observar os rasgos da graça divina saindo do recinto sagrado do santuário para ir ao lugar imundo, onde, de cabeça descoberta, embuçado e com as vestes rasgadas, se encontrava o leproso. Deus procurava o leproso onde ele estava; mas não o deixava ali.

Manifestava-se pronto a cumprir uma obra em virtude da qual podia conduzir o leproso a um lugar mais elevado e a uma comunhão mais íntima do que ele jamais havia conhecido. Em virtude desta obra, o leproso era conduzido do seu lugar de imundície e solidão para a própria porta do tabernáculo da congregação, o lugar dos sacerdotes, para ali gozar dos privilégios sacerdotais (compare-se Êxodo 29:20, 21, 32). Como poderia elevar-se a tal posição? Por si mesmo era impossível. Por muito que pudesse fazer, teria definhado e morrido na sua Lepra, se a graça soberana do Deus de Israel não tivesse descido sobre ele para o elevar do lugar imundo até o colocar entre os príncipes do Seu povo.

Se alguma vez existiu um caso em que a questão dos esforços humanos, dos méritos humanos e da justiça humana, pôde ser plenamente provada e arrumada para sempre, é incontestavelmente o caso do leproso. Seria uma lamentável perda de tempo discutir tal questão em presença de um caso semelhante. Deve ser evidente, até mesmo para o leitor mais superficial, que nada senão a graça divina, reinando pela justiça, podia ir ao encontro das condições e necessidades do leproso. E de que maneira gloriosa e triunfante opera a graça de Deus! Desce às maiores profundidades a fim de elevar o leproso às maiores alturas. Vede o que o leproso perdeu e o que ganhou! Perdeu tudo o que pertencia à natureza e ganhou o sangue da expiação e a graça do Espírito — simbolicamente falando. Em boa verdade, os seus ganhos eram incalculáveis. Se nunca tivesse sido posto fora do arraial, nunca teria alcançado tão infinita riqueza. Tal é a graça de Deus! Tal é o poder e o valor, a virtude e a eficácia do sangue do Senhor Jesus!

Como tudo isto nos recorda forçosamente o filho pródigo, em Lucas 15! Nele a Lepra havia também alastrado e surgido à superfície. Havia estado longe num lugar imundo, onde os seus próprios pecados e o intenso egoísmo dos habitantes da terra longínqua tinham criado uma situação de solidão em redor de si. Mas, bendito seja para sempre o profundo e terno amor do Pai, sabemos como tudo acabou: o pródigo encontrou uma nova posição mais elevada e entrou numa comunhão mais íntima do que antes conhecera. Nunca antes se tinha morto um "bezerro cevado" para ele. Nunca se lhe havia vestido "o melhor vestido". E a que devia tal distinção? Seria devido aos méritos do pródigo? Oh, não; era simplesmente devido ao amor do Pai.

Prezado leitor, permita que lhe faça esta pergunta: pode debruçar-se sobre o relato do procedimento de Deus para com o leproso, em Levítico 14, ou da conduta do Pai para com o pródigo, em Lucas 15, sem sentir intensamente o amor que existe em Deus? Esse amor que se manifesta na Pessoa e obra de Cristo, que é relatado nas Escrituras Sagradas e derramado sobre o coração do crente pelo Espírito Santo? Que o Senhor nos dê uma comunhão mais íntima e constante consigo mesmo! 


Autor: C. H. Mackintosh, extraído dos estudos sobre o livro de Levítico, 1978, 2ª edição.

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